terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

PARTE 1

Escrito no Rio de Janeiro (Bairro de Fátima/Santa Teresa), entre 03 janeiro e 26 de fevereiro de 1986

ABERTURA DE UM BEIJO



*- "O teatro e o mundo da ilusão verdadeira"
Nesse pintado cenário evoco os bichos das montanhas

Sinto um vulcão no estômago
Meus braços cor de lua passam as vistas no teto liso

A coroa de folhas ilumina a vadiagem dos pensamentos

Nesse teatro antigo vestido numa saia de pó,
com a floresta no palco
vislumbro a ação no olhar

Tenho o rosto móvel como nuvens,
emprestei a alma ao sobrenatural
Monstros dançam em cena


Inesperados mitos nascem
Sinais de alegorias me levam
em feixes doirados ao planeta Mercúrio

A musica das esferas me pertuba as vísceras
mediante a um suspiro ao pé e do ouvido


*- Antonan Artaud

TEMPESTADE DE GUITARRAS XV & IX



E o profeta veste o colete de pele de dragão cozida
com fios d’oiros
pega o talismã azul-esverdeado e liga a tv
Rosna o telefone ao berro da porta
Sinal ocupado e um vento sabe-se,
senhores deuses, de onde?

Minhas videiras estão abarrotadas
Uvas próprias para um vinho sagrado
Uvas moscatéis

Entrada do pomar
Alem das videiras, maracujás tão meigos
Esse é o perfume que sinto durante minhas meditações

Penso na balada do radio
e vejo um homem coberto de plumas
vagueando entre as linhas dos pés
Lhes falo:
Sei coisas do mundo soberano de ser dos seres,
a ótica ienexata das virtudes



João,
hoje comerei morangos silvestres ao mel

Balder o Osíris dos escandinavos,
morto por um lobo,
voltou a vida ao ingerir
o hidromel servido pelas deidades
Fiz uma mistura parecida para o meu banho
Espero a visita de uma dama
Mostrarei meus poemas aos donos do fogo


EM LÓTUS


A mão segura o parafuso que pula no toco oco:
balada de saxofone

Em 950 meus pés batiam o barro no sul da Austrália,
hoje sei,
ultrapasso 2003 nadando

A águia das sete lentes toca harpa
em meus pentelhos enquanto mastigo o germe da claridade

Que a chuva das alquimias inundem as gavetas do meu pó!

Gauleses cultuadores de ervas vasculham a baia na galera
do capitão de íris celeste

Esqueceu as ruínas o Rei Lagarto
E devou o verão
E bebeu o verão

Que todas as Áfricas se afoguem no sol sem cais!



Minha visinha Edna Laranja trouxe a chave do saleiro,
agora temperarei a macarronada de my boquinha
Macarrão, comida fácil de preparar,
tendo bom espírito e um pouco de atenção, não queima
Canso de esquecer panelas tostando,
gosto de arroz torradinho com um pouco de chá

Quisera o mundo possuir as bugingangas desse apartamento
Violão de cordas brancas onde fabrico alguns calos
O telefone Ericson, menino simpático
Marita, a vassoura dos grandes vôos desnudos
O ventilador cineasta...escreveu o roteiro
e escolheu a nossa sala para as suas tomadas
Ritinha, o raminho de bertalha saliente,
o dnado estica a cada segundo
e se agarra sensualmente aos galhos da jibóia
Tenho boa parte dos livros salvos de um incêndio,
entrei no prédio e sai antes de Nero




Meu cachimbo da paz descança
sobre a agenda de telefones
Ao lado da borracha verde-perereca,
a tesoura Doroteia aguarda a chegada do sir Silêncio

Manhas que não saio desse apartamento
Estou entorpecido de blues rocks,
buzinas e rosa beijos

Preciso subir na Torre da Vitória
A Princesa da Esfinge escalda os pés
nas areias do meu deserto


Peixes secos e mariscos quebrados
adornam aquele canto de praia,
o calvário


Estou de passagens compradas,
em menos de dez gritos
estarei entre os seios da Princesa

A fornalha esconde a sombra e liberta as miragens
Princesa, a sombra é a mão da Esfinge

Vinte e duas laminas coloridas manobram-se nas ondas do pano,
fatias e mais fatias de silencio demoronam-se na mesa

O louco pegou as vinte e duas letras hebraicas,
dividiu em três, mastigou bem devagar os montinhos

Princesa, o nosso Monte Sinai
cospe pedras negras e no tapete engolimos pelos

" a serpente era de ouro baço, vitria & enroscada",
cuspi todos os cromossomas
entre seus trilhões de lábios línguas de setas
( E aquela gosma descendo pela garganta... )

Princesa, fiz ponta no lápis,
hei de rabiscar suas escamas

Na barriga da noite
ouviremos o Galo Celestial e já será dia
Nos banharemos nos confins do oceano

Ave da aurora,
a serpente sumiu na água



Preparei um jantar especial,
João, vê se te lembra do estomago
As cenouras são colhidas aqui mesmo no apê
O feijão importei de Teresina,
plantação particular, coisa da gente

Se não fosse o defeito no forno,
teríamos bolo de rosas brancas

O doce de jaca ficou deslumbrante
com canela em pau e cravos da Índia


Comprei algumas cordas de violão na "Guitarra de Prata"
Rua da Carioca, o inicio da odisséia

Nem mesmo acabei de entrar no táxi,
uma mão estendeu-se sobre o para-brisas;
caduquei comigo, "será o aviso?" E era o aviso!

-Seu motorista, toca pra China!
Na China dei de cara com as aragens fugitivas da Patagônia,
não me preocupei com a previsão do tempo

Uma voz estridente me indagou "o que veio fazer na China?"
E o que importa?
Um cha, casa de banho e o santuário do ópio



Pequim fica perto do umbigo, o centro da cidade

Princesa, vamos arranjar duas sombrinhas
e escorregar nas avenidas do I Ching

Acabei de avistar o fundo da pirâmide invertida,
o Mestre mora no vórtice dos triângulos,
ele também conhecer a serpente

Princesa, passarei o cordão de nêutrons
em volta de nossos pescoços

Sou o homem de cristal,
adorada Frida dos Andes;
a morte dorme no beliche de cima
e você aproveita os ciclones para dançar


Rulfo encontrou os vivos acima das chamas,
mãe do milho vermelho, o grão do sangue

Cada partícula de ventania
abala o sibilar nas penas
e o colibri das cavernas desliza
nas folhas com fome de flor


Ao tentar entender os passo do Eremita,
a lama do pântano multiplica os micro-organismos,
a decomposição renova o humo

Fertilidade, a perfeita aparição dos Orixás

Mantos encarnados e fitas compridas
misturam-se aos vegetais

A perna da minha casa prendeu-se
nas engrenagens do elevador e rasgou-se

Prefiro abrir o peito
em meio ao lodo da lagoa e entranhar-se

Movediços atoleiros,
o grande Hotel de Bagdá fervilha
Até e mesmo o ultimo acorde dissonante
embarca no sorriso da pintura ardente
Nem todos os batons conseguiriam aquarelar
o sorriso anos-luz
envolvente de teus lábios,
o cosmo em gotas movediças

Daniel,
tenho casulos de sedas entreabertos ao nosso dispor
pretendo mexer no tear sem rota
e numa translação absoluta criar
o xale de hits

Das fendas do meu bastão de chocolate
lanço um agudo rompedor,
o trovão imaginário

E a tempestade de guitarras esburaca
distribuindo crateras aos solos flácidos

Pirilampos que já não decolam asas
são esmagados no vidro fumê


Debruçados sobre o muro das Eras
contemplamos o frio glacial

Orquídeas crisântemos tocam
o chão do país das águas mágicas



Não duvido dos manuscritos seculares
O espírito noturno oculta a identidade
da serpente que trás no imaginário
acordes calados, cabelos negros...soltos...

Alo! Alo! Teatro com pipoca,
meu bom pastor poeta!

Sou o menestrel filho da três letras mães,
o horizonte do além-mundo

Ao primeiro soar de flauta
me encontrarei nos cilindros
do abdômen de minha ama

O luar de varanda nos promete
um eclipse crescente
Dormiremos voltados para o leste

Ventre, ventre, ninho forrado de néctar

A mãe rainha abelha beija o óvulo
untada em perfume frutal
Eu abelhinha encontro o cheiro da luz
e me arrasto até os lábios carnudos
quase com vontade
Borges,
no quarto da semiluz descongelo o rosto
e cravo os dentes no busto da parede
Percebo o engrolado de vozes que vazam ante as fendas

Trato de descer a escada
agarrado nas três pétalas da flor de lís,
o meu plano fechado

Estou do outro lado da parede, sacerdote do breu,
nem mesmo de olhos alargados não,
não consigo sugar a aura das sementes de dragão

Melhor embarcar no helicóptero da antiguidade do Gita
e parir na atmosfera das aves de fumaça

As minhas orelhas azuis estão cheias de nanquim
O rastro de tinta magnetiza
as nuvens e escurece hélios
O espírito noturno retorna,
o véu veludo desmorona sobre o corpo tênue da Terra


Eu a Princesa da vibração sutil da matéria
penduro cachos de planetas no lóbulo,
chuva-de-pedras nos fios do penteado,
essência de algas dentre os anéis das escamas


Os seis trilhos da emoção ficaram embandeirados,
a festa dos líquens começou,
e o que for carne,
fará parte do banquete

Fileiras de bocas lambem as cordas do meu sono

Línguas, línguas,
templos do sabor

Provo os hemisférios da intimidade
tocando ao norte do ventre
a mais apurada melodia